A aprender com os miúdos

Daqui a pouco já fará dois anos que estou por aqui. Muito desse tempo, junto com a pandemia, passei fechado num quarto, trabalhando de casa num emprego que nada tem a ver com esse mundo aqui. Cheguei a aproveitar a convivência dos portugueses nos primeiros meses, mas o isolamento e esse trabalho mudaram os rumos das coisas por aqui.

Recentemente fui convidado pela Pavac (Passos Audiovisuais Associação Cultural) para facilitar umas oficinas para crianças. A câmara municipal cria atividades para que as ATLs tragam suas crianças durante às férias. ATLs são entidades ou mesmo escolas que se organizam para oferecer atividades em tempo livre para as crianças. Enfim, o termo é usado para cães também, por exemplo.

As crianças são sempre os melhores alunos, principalmente numa oficina livre como essa, eles falam as coisas mais inusitadas e nos mantém em alerta 100% do tempo, é um passeio com muito pouco conforto, mas um aprendizado incrível.

“Eu vejo um cavalo!” gritou um, o outro falou “Eu vejo um gato!”. Depois viram foguetes e estações espaciais. Uma menina me perguntou onde eu tinha aprendido tudo isso, expliquei que era fotógrafo e tinha aprendido essas coisas ao longo dos anos e até faculdade de fotografia eu tinha feito, ela não teve dúvida: “Então é isso que eu vou fazer.”

Um outro logo me perguntou há quanto tempo eu estava em Portugal. A professora que vinha junto me perguntou se eu preferia o Brasil. Porque a imagem fica invertida? Expliquei como funciona uma foto da câmara Instax. Falei da botânica Anna Atkins. Não assustei eles com nomes complicados, quem precisa saber que se chama quimiograma? Podemos apenas chamar de fotografia, não?

Esse quimiograma a partir de uma folha de Tília, que acima, chamou a atenção de uma menina com seus 12 anos, ela disse que era um coração malvado. Fiquei pensando nas ligações entre o vocabulário da língua falada e as manchas de química que parece chamas envolvendo o coração.

Experimentamos para reproduzir o efeito, mas nenhum ficou tão malvado, disse ela. O S que se formou no canto superior direito talvez tenha a ver com isso, não sei.

Graças ao miúdos eu perdi o medo e aprendi a fixar lumen prints com revelador bem diluído. Dessas coisas que me deixam triste, porque a imagem perde muita densidade, mas assim eles puderam levar as cópias de volta para a escola e mostrar para os pais.

As folhas de carvalho são muito densas, mas as folhas de tília tem uma transparência ímpar. Folhas ligeiramente úmidas soltam um vapor de água que cria efeito de borda nas lumen prints, é algo lindo de ver acontecer e que pode ser percebido na próxima imagem.

Eu nem lembrava a saudade que eu tinha de fazer lumen prints, como é bom. E é perfeito para o verão, aqui no paralelo 41, onde o Sol não é tão forte no resto do ano. As crianças e o Pavac me devolveram algumas sensações quase esquecidas, obrigado!

Máquinas menos rebeldes no inverno de 2018

Foi uma grata surpresa esse fim-de-semana no Sesc Av Paulista, os scanners mais antigos e portáteis que possuo se comportaram bem demais. São eles:

• Microtek Scanmaker II (1993) com sua roda de filtros RGB e seus scans de três passagens com um CCD p&b;

• Epson GT-5000 (Epson ActionScanner II Mac, 1994) e suas três lâmpadas de cores diferentes para scans RGB;

• Canon Lide 25 (2005) fininho e com fibra de vidro ao invés de objetiva e um sensor tipo CISS ao invés de um CCD;

Todos funcionaram para o deleite dos presentes.

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Essa imagem, a última do fim-de-semana é um colaboração entres os que ainda permaneciam na sala depois de tantos scans: Rita, Antonio, Josué, Gustavo, Íris, Lívia e eu.

Vejo fotografia em tudo

O Kraftwerk abriu com Man Machine, e um maluco atrás de mim gritou: quem não tomou doce, sobrou! Interessante como o Kraftwerk trabalha as sombras dos seus quatro integrantes de diversas maneiras no show. O próprio clipe linkado aqui é aberto dessa maneira. Aqui em Sampa, luzes estroboscópicas projetavam as sobras deles numa tela branca de diversos ângulos, sequencialmente, fotografias! Ou até fotogramas! Animados, de objetos quase estáticos.

Já a penúltima do radiohead foi Where I End And You Begin (se eu não estiver enganado, é claro), fiz uma foto da luz das centenas de LCDs brilhando na frente do palco.

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Uma linha azul de imagens sendo capturadas, gigas e gigas de arquivos digitais sendo criados a cada minuto. Para onde foi tudo isso? Fotos? Vídeos? Onde vê-los? No site do próprio Radiohead vi outras fotos: os pinholes do Jonny, mais aqui, e uns registros do dia-a-dia da turnê.

Quimiogramas no Sesc Santana

A oficina foi super interessante, o espaço era de frente para a exposição de Barros. Pensei muito sobre os quimiogramas, uma maneira bacana de mostrar a fotografia analógica sem a necessidade de um quarto-escuro.

O fato é que as imagens fotográficas se fazem, em geral, pelos contrastes. Não existe cinza se não houver preto e branco, o olho precisa de diferenças para enxergar formas, limites, blá, blá, blá.

No quimiograma o papel começa completamente velado. Não há contraste, há uma exposição total, se for revelado o papel fica preto, se for apenas fixado o papel fica branco. Para criar meios tons há um jogo complexo de brincar com a diluição dos químicos e com o tempo durante o qual o papel fica exposto a eles (em contato). Objetos junto ao papel podem mudar o efeito do químico. A diluição pode ocorrer durante a formação da imagem.

Ou seja, no quimiograma a revelação deve introduzir o contraste na imagem, ao contrário da fotografia convencional, onde se pretende uma revelação mais uniforme que deixa transparecer os contrastes registrados na película.