PISO • Inaugurado

Ontem foi a inauguração do PISO. Um espaço independente gerido por suas associações de artistas: Plataforma do Pandemónio e Astrolábio Itinerante e idealizado pelos dois presidentes dessas associações a Marta Moreira e eu, respectivamente.

Há seis anos, quando eu chegava aqui, uma das coisas que mais de deixou perplexo era como a cidade com o segundo festival de fotografia mais antigo da Europa não tinha um laboratório comunitário, um núcleo de fotografia ativo, nada.

Ao longo desse tempo fiz diversas tentativas de reverter essa situação, mas nada tinha ido adiante ainda, a não ser pelo TiroLiroLab. Recentemente fui convidado a contar a história dessa iniciativa social e reproduzo o texto aqui:

Num aniversário da Tatiana que surgiu a ideia de nos juntarmos para montar um laboratório. Dois cinquentões que chegaram até aqui por caminhos diferentes — ela pela ciência, eu pela arte — mas que sempre tiveram a tecnologia como território partilhado.

Ciência, tecnologia e arte encontravam-se no nosso desejo de criar um espaço divertido e focado na inclusão tecnológica, atento aos saberes tradicionais e comprometido em reduzir o lixo eletrônico. Ficamos superempolgados e inscrevemos o TiroLiroLab no Programa de Aceleração da Human Power Hub. Foi uma experiência interessante, que ajudou o nosso projeto a amadurecer e crescer, até esbarrar em algumas limitações.

Elaboramos uma estratégia para lidar com a ausência de um espaço próprio (um laboratório de fato) e fomos investigar o que poderíamos fazer nessas condições.
Logo fomos selecionados para o Programa ISA da BragaHabit. Tatiana e eu conseguimos executar as atividades propostas a partir daquilo que já havíamos criado no TiroLiroLab, aproveitando a infraestrutura da HPH e a nossa criatividade. Depois do ISA, decidimos fundar uma associação que desse ao laboratório mais tração.


Fomos ao IRN em Guimarães e estávamos ali a consultar a lista oficial de denominações já validadas para associações. Tartaruga Disruptiva nos pareceu muito bom e humorado, mas demos uma busca pelas letras “lab” e, dentre as opções que apareceram, estava disponível Astrolábio Itinerante.


Uau! Que nome! Consigo trazia todo tipo de sugestão para dois imigrantes que gostam de ciência e tecnologia: a ideia de orientação e descoberta, a navegação por territórios novos, a invenção de rotas próprias num lugar que ainda estávamos a aprender a habitar.


Enquanto a associação ainda estava em processo de criação, candidatamo-nos ao programa Todo-o-Terreno da Braga25. Nosso projeto consistia em organizar 10 exposições de fotógrafas experimentais na Padaria Amor & Farinha. Assim nascia outro caminho dentro da associação, mais ligado à minha experiência na disseminação da fotografia.


O programa Todo-o-Terreno foi um encaixe perfeito para essa fase sem laboratório e/ou oficina, já que teríamos de propor algo para um espaço que já existia — e soubemos muito bem escolher essa padaria.


Mas o sonho sempre foi ter um laboratório com luz vermelha para imprimir fotos em papel; uma bancada onde pudéssemos construir circuitos eletrônicos que gerassem sons e desvendassem os primórdios da música eletrônica; um canto com alguns computadores para programar, em software livre, sites e apps…

Depois de muitos cafés e muitos bolos, ao longo de um ano letivo do Nébula, as conversas convergiram nesse sonho comum. E que agora tem nome e morada: Piso, Rua do Cabido, 7 — primeiro andar.

Assim terminava o texto. E agora com o PISO finalmente inaugurado, com programação publicada no site, é começar a agitar coisas.

Mas como nasceu o PISO?

Há um tempo atrás respondi uma chamada do Nébula (Plataforma do Pandemónio) para apresentar uma proposta para o recém formado núcleo de artes visuais. Isso acabou possibilitando uma série de conversas e ideias, mas que sempre esbarravam na falta de um espaço físico disponível (se possível com um canto escuro e água corrente). Mas por outro lado revelavam a capacidade de organização e de gerir a comunicação que a Marta tem.

Nesse último verão começamos a falar mais sério sobre isso, porque já se aproximava a segunda temporada do Nébula. E começamos a procurar espaços pela cidade. Fizemos um plano de sustentabilidade, cálculos de tudo que poderia dar mais errado.

Dai a Marta viu esse papel na janela de um primeiro andar exatamente ao lado da Catedral da Sé de Braga. Uma casa centenária, no caminho oficial para Santiago de Compostela, com muitas janelas, uma vista incrível para o ponto mais movimentado da cidade. Nossos olhos brilharam e nos deixamos sonhar. E ainda estamos sonhando!

O descampado no fim da minha rua

Agora que já faz mais de um ano que adotamos a Polenta, uma cadela sem ração definida que tem muitas características de uma raça conhecida como podengo português, comecei a olhar para as fotos que fiz ao longo de incontáveis passeios com ela pelo bairro.

No fim da minha rua há um terreno vazio, um grande descampado com uma vista incrível para o vale do Rio Cávado. No outro lado do vale estão Vila Verde e o Prado, que são menores que Braga. Ao longe uns montes mais altos com turbinas eólicas e se pudéssemos ver além, veríamos a Espanha.

Polenta adora farejar, mas gosta também de sentar e ficar sentindo os diferentes cheiros que vêm no vento. E eu entro na onda e fico observando o tempo passar, os detalhes de cada estação, a forma das nuvens, como a vegetação da época balança ao sabor do vento.

Às vezes as nuvens filtram a luz do Sol, tem vezes que é a fumaça dos incêndios. Tem dias quentes com um vento gelado. E agora nesse início de Outono teve uns dias perfeitos, nem quentes, nem frios, com um vento constante.

Depois de um tempo, vendo sempre a mesma paisagem, várias vezes ao dia, algumas coisas que pareciam tão relevantes e dignas de uma imagem, começam a se tornar corriqueiras. Me pego esperando um dia ainda mais incrível, nuvens com um desenho ainda mais complexo ou intrigante, coisas desse gênero.

Já sei mais ou menos a que horas os postes de iluminação urbana vão acender ou apagar, fico esperando aquele momento em que tudo vai se alinhar para que a exposição automática do smartphone seja capaz de lidar com essa riqueza de tons.

Mas tem vezes que a situação exige abandonar qualquer plano previamente estabelecido e arriscar tudo num frame impensável com o Sol quase ao centro da imagem. A natureza é que manda, boa parte das vezes.

Um dia a Polenta me acordou mais cedo, chegamos no descampado ali pelas 6 das manhã, o Sol ainda não tinha nascido pelas nossas costas, mas uma luz matinal já iluminava essas nuvens sobre o vale do Cávado. A Lua, que ainda não tinha ido dormir, se escondia por trás de umas nuvens fininhas, quase na linha do horizonte. Agradeci a Polenta, pensei em William Turner, fiz uma foto tremida e cheia de ruído.

Até Aqui na exposição Amor em Tempos de Cólera

Ontem abriu aqui em Braga a exposição Amor em Tempos de Cólera, parte de um edital chamado Actum. A cidade está toda linda para o Natal.

Foi uma delícia uma abertura com pessoas, um agito no centro da cidade!

Sempre me interessei por investigar elementos que já existiam antes da minha vida começar. Ao chegar a Braga fiquei especialmente curioso com as estradas romanas, com os diferentes formatos das pedras utilizadas, com a maneira como elas foram construídas e há quanto tempo estão ali.

E o catálogo da exposição está aqui embaixo.

A aprender com os miúdos

Daqui a pouco já fará dois anos que estou por aqui. Muito desse tempo, junto com a pandemia, passei fechado num quarto, trabalhando de casa num emprego que nada tem a ver com esse mundo aqui. Cheguei a aproveitar a convivência dos portugueses nos primeiros meses, mas o isolamento e esse trabalho mudaram os rumos das coisas por aqui.

Recentemente fui convidado pela Pavac (Passos Audiovisuais Associação Cultural) para facilitar umas oficinas para crianças. A câmara municipal cria atividades para que as ATLs tragam suas crianças durante às férias. ATLs são entidades ou mesmo escolas que se organizam para oferecer atividades em tempo livre para as crianças. Enfim, o termo é usado para cães também, por exemplo.

As crianças são sempre os melhores alunos, principalmente numa oficina livre como essa, eles falam as coisas mais inusitadas e nos mantém em alerta 100% do tempo, é um passeio com muito pouco conforto, mas um aprendizado incrível.

“Eu vejo um cavalo!” gritou um, o outro falou “Eu vejo um gato!”. Depois viram foguetes e estações espaciais. Uma menina me perguntou onde eu tinha aprendido tudo isso, expliquei que era fotógrafo e tinha aprendido essas coisas ao longo dos anos e até faculdade de fotografia eu tinha feito, ela não teve dúvida: “Então é isso que eu vou fazer.”

Um outro logo me perguntou há quanto tempo eu estava em Portugal. A professora que vinha junto me perguntou se eu preferia o Brasil. Porque a imagem fica invertida? Expliquei como funciona uma foto da câmara Instax. Falei da botânica Anna Atkins. Não assustei eles com nomes complicados, quem precisa saber que se chama quimiograma? Podemos apenas chamar de fotografia, não?

Esse quimiograma a partir de uma folha de Tília, que acima, chamou a atenção de uma menina com seus 12 anos, ela disse que era um coração malvado. Fiquei pensando nas ligações entre o vocabulário da língua falada e as manchas de química que parece chamas envolvendo o coração.

Experimentamos para reproduzir o efeito, mas nenhum ficou tão malvado, disse ela. O S que se formou no canto superior direito talvez tenha a ver com isso, não sei.

Graças ao miúdos eu perdi o medo e aprendi a fixar lumen prints com revelador bem diluído. Dessas coisas que me deixam triste, porque a imagem perde muita densidade, mas assim eles puderam levar as cópias de volta para a escola e mostrar para os pais.

As folhas de carvalho são muito densas, mas as folhas de tília tem uma transparência ímpar. Folhas ligeiramente úmidas soltam um vapor de água que cria efeito de borda nas lumen prints, é algo lindo de ver acontecer e que pode ser percebido na próxima imagem.

Eu nem lembrava a saudade que eu tinha de fazer lumen prints, como é bom. E é perfeito para o verão, aqui no paralelo 41, onde o Sol não é tão forte no resto do ano. As crianças e o Pavac me devolveram algumas sensações quase esquecidas, obrigado!

Tentando entender o papel da fotografia analógica nos dias de hoje

Essa semana eu consegui ir ver algumas das exposições dos Encontros da Imagem de Braga. Muita coisa interessante de ver, mas poucas que realmente tocam meu coração.

Uma exposição em especial me atraiu pela imagem nos banners pela cidade e me chamou atenção com sua delicadeza e simplicidade.

Essa exposição de Carlos James Reeder tem apenas 14 imagens em tamanho A3+ (talvez). A montagem em si é simples, as molduras metálicas contem as fotos sem passe-partout. Finos cabos de aço prendem as molduras a barras no topo de divisórias já cheias de história e marcas de diversas exposições anteriores. O texto é um pouco pequeno, ou meus olhos estão um pouco velhos.

As molduras tem marcas também, isso incomoda um pouco a fruição do trabalho. O trabalho de impressão é preciso e o mesmo tom do fundo ligeiramente off-white está em todas as imagens, isso colabora muito para a sensação de união entre as imagens e fala imenso do trabalho envolvido na produção dessas 14 imagens.

As imagens mostram uma série de objetos em diversas camadas. As camadas por sua vez são criadas tantos pela disposição dos objetos no espaço do estúdio como pelo desfoque da objetiva da câmera. No plano de foto é possível até ver os detalhes da trama offset dos objetos impressos. Essa trama se confunde com o grão das imagens em alguns momentos. O assunto das imagens escolhidas para compor os objetos dentro das imagens contém ciência, tecnologia, trabalhos manuais. As composições são variadas e mantém um ritmo agradável na exposição. Não há um ponto de início e um ponto final, não falta intencionalidade ao trabalho também.

Peço licença para questionar duas frase desse texto. Não acho que as imagens sejam descontextualizadas aqui, mas sim recontextualizadas. Será que os adjetivos “disjointed and disorienting” não são um tanto pejorativos aqui? Será que subestimam a capacidade do observador de perceber o trabalho à sua maneira. Me parece que o artista já coloca suas intenções no texto até aquele ponto, ao chegar a essas duas frase, há um movimento de retração, um questionar o que foi dito.

Esses pequenos detalhes no texto me deixaram bem irritado naquele momento. Senti que aquilo queria estragar a fruição do trabalho, uma força que queria negar que eu tinha percebido do trabalho, começando por negar a intenção do trabalho. Talvez eu esteja pegando pesado demais…

Ateliê no primeiro subsolo

Aos poucos eu estou recriando um espaço para trabalhar em imagens. A primeira coisa que eu queria ter novamente é uma impressora que pudesse imprimir em carbono. Comecei a busca pelas Epson 7600 ou 9600, até achei umas candidatas interessantes, mas todas muito distantes daqui. Cheguei a pensar em modelos mais modernos, achei umas próximas, mas muito caras para esse momento de experimentação. Dai olhando o Marketplace do Facebook encontrei uma Epson 1400, conhecida em outras paragens como Artisan, uma impressora A3+ relativamente pequena.

Essa Epson tem 6 cartuchos e aceita bem os cartuchos com auto-reset vindos da China, o que é um alívio. Existem boas experiências com ela e carbono por ai, isso também anima. O preço dela era bem razoável. De tão pequena, ela foi fácil de carregar no trem/comboio até aqui (na verdade foi metrô, trem e depois ônibus, cansativo, pequena mas pesada, valeu mesmo assim).

Outros itens foram mais fáceis, as dicas da Sofia Silva valeram e achei água destilada e glicerina no Leroy Merlin, de onde vieram também os cavaletes, a placa que virou tampo de mesa e a estante metálica.
No supermercado peguei abrilhantador de lava-louça/loiça. Na farmácia peguei seringas de diversos tamanhos para fazer aquela sujeira incrível com a tinta, rsrsrsrs.

O mais importante levou uns dias para chegar, vejo direto do fabricante na Flórida, um litro de base de carbono para tinta inkjet. Já falei dessa dica do Paul Roark no primeiro post aqui sobre carbono, da tinta da STS que é a base do kit Eboni-6. A tinta em si foi mais cara que o resto todo dessa tranqueirada, mas ela deve durar alguns anos.

Simplificando muito, vou dizer que esse kit da Ink Supply é um kit concorrente aos kits da Cone Inks, foi desenvolvido pelo Paul, mas ele ensina a fazer algo parecido no próprio site dele. Tinta inkjet do tipo faça você mesmo. Essa é a beleza do carbono.

Ainda aguardando os cartuchos chineses e em busca de uma promoção no Hahnemuhle Matt Fibre, em breve mostro os testes.