Câmara caixote para filme 4×5″

Tudo começou com essa caixa de Ilford FP3 Series 2 que foi fabricado entre 1960 e 1968. Tinha achado ela em Biévres, em 2022, junto com outras tantas tranqueiras. Nem achei que tinha filme dentro, mas passou no raio-x do aeroporto e não fui chamado para inspeção, então, tudo bem. Dai deixei um ano aqui enquanto ganhava coragem para abrir, imaginando tudo que poderia ter ali dentro.

Enfim, vi que tinha filme mesmo. Na melhor das hipóteses esse filme tinha 55 anos de idade. Já meio ondulado e cheirando a vinagre, o acetato se desfazendo com o tempo. Queria usar, mas não tinha mais câmara 4×5″. Só tinha a Technika 13x18cm e não tinha como adaptar.

Minha mãe veio visitar e me trouxe um saco de outras tranqueiras que eu tinha deixado na casa dela. Tinha pedaços de um film holder 4×5″ e uns darkslides de outros, tudo separado para um futuro distante. Com paciência e uma faquinha jeitosa consegui montar um film holder razoavelmente funcional de partes diversas.

Com um caixote de vinho do Porto que peguei no lixo comecei a imaginar uma câmara fotográfica. Do lixo vieram também uns pedaços de madeira compensada, era da embalagem de algum eletrodoméstico grande. Cortei o compensado para fazer uma frente e uma traseira para o caixote, usei cola branca e paciência.

Optei por deixar a câmara com foco fixo, ali pelos 3 metros de distância, para o primeiro teste. Assim podia fazer umas fotos dentro da garagem e se desse certo poderia fazer retratos ou detalhes de ambientes como os que eu tinha feito com a 6×6 uns meses antes.

Fechei as frestas do caixote com massa corrida e pintei o interior de preto. Colei umas tirar de veludo na parte traseira e estava quase pronto.

A Cooke Primoplane de 155mm estava já num board para a Technika, usei cola quente para ameaçar ela ali na frente do caixote. Com um elástico segurei o film holder contra as tiras de veludo. Foi um tanto difícil colocar o filme no holder, a ondulação do filme impede que ele deslize facilmente para dentro.

Também não coloquei uma rosca no inferior da câmara poder usar tripé, nem sabia se o filme estava OK, não quis ter o trabalho à toa. Empilhei umas caixas na entrada da garagem e posicionei a câmara apontada para minha mesa de trabalho. Pela janela entrava uma luz fraca de um dia de inverno, a foto com o telefone dá impressão de muito brilho, mas não era tanto assim. Fechei o diafragma em f/11 e deixei a objetiva aberta por 30 segundos.

30 segundos em f/11

Agora no inverno a temperatura da garagem varia entre os 12C e os 14C, levei água quente da cozinha de casa e fiz um Rodinal 1:50 bem morno. Revelei por 2 minutos com agitação constante. Resultou um negativo pouco denso, mas com muitos detalhes nas sombras (se vê até o timer que está sob a mesa do Durst). Aparecem alguns pequenos pontos de mofo no filme, mínimos. Uma pena, podiam ser maiores.

Acho que agora se faz necessário passar um verniz rápido no caixote e instalar uma rosca na base para poder prender ao tripé. Contar quantas folhas sobraram e usar esse resto da caixa de filme.

Festival de Fotografia Experimental em Barcelona EXP.23 • Um terreno ainda muito fértil

Logo que cheguei a Barcelona dessa vez corri para ver o que é um Punto Verd. Esses pequenos galpões, um em cada bairro, são locais onde as pessoas levam seus recicláveis mais complexos para ganhar uma nova vida.

Isso deixa muito pouco para os artistas encontrarem na rua, é verdade, mas a cidade fica mais limpa e alguns itens mais complicados ganham o tratamento correto. Isso é importante para o planeta.

E à porta de cada Punto Verd fica uma pequena estante para livros que podem ser retirados gratuitamente.

Ainda assim, vi alguns itens deixados do lado de fora das grandes lixeiras, alguns até com bilhetes, os espanhóis fazendo a coisa circular antes da reciclagem.

Reduzir, reaproveitar e reciclar (só no fim).

Depois passei pelo centro cultural onde rolava o festival e retirei meu crachá e outras coisas que eu precisaria para os próximos dias. Dali corri para a praia e refresquei minhas ideias. Estava muito pensativo. Tinha separado uma série nova de trabalhos para mostrar para algumas pessoas.

Essa série eram fotos que eu vinha fazendo em Portugal desde que cheguei. Entitulei o trabalho Aqui. Aqui é uma palavra muito usada pelos imigrantes, você pode imaginar porque.

Para acompanhar essas imagens, escrevi isso aqui:

“Immigrating upends life, resetting it. Often driven by a need to escape, it necessitates leaving behind dreams or paths that were already abandoned due to circumstances. Personally, I left my home country due to financial struggles and the disruption of my life path. While choosing to immigrate I accept these losses, the works I present here symbolize both a new beginning and a reminder of what was lost. In this new place, rebuilding seems daunting, so I make do with limited resources. What’s lost will remain lost. O que foi perdido, foi perdido. O que importa é o aqui e agora, e está pela frente.”

Acho que você também pode imaginar como foi dolorido escrever isso e olhar para essas imagens dessa maneira depois desses 4 anos nessa aventura. A edição era enorme, tinha 24 imagens, várias versões de algumas, para que esse crivo pudesse dar origem a algumas escolhas. O texto também tinha uma parte que era teste, não era algo definitivo, tinha minhas dúvidas ali.

Mas tudo bem, pensei um pouco mais e continuei, porque seria uma semana intensa.

O primeiro workshop que eu ministrei foi uma versão do Armadilhas para o Acaso. Ao invés de 4 encontros, fizemos em um único encontro e pude usar um laboratório, logo explorei isso no exercício que fizemos juntos.

Usamos diversas maneiras para velar papel antes de usar, com a intenção de criar uma nuvem preta/cinza sobre a imagem.

O workshop seguinte foi o clássico Construção de Câmara Digital Artesanal, com direito a uma apresentação da história do scanner no início.

E no sábado dei uma conferência sobre impressões únicas ou como desafiar a noção de reprodutibilidade mecânica.

Depois encerrei a semana na praia, refletindo sobre as coisas que vi e vivi. Voltei cheio de ideias, mas também sabendo que iria dedicar meu tempo a minha família, a minha nova cadelinha e ao meu emprego e que esse post levaria muito tempo para ser publicado.

Câmara Digna-Mamiya 6×6 • parte II

Em fevereiro comecei a falar dessas idéias nesse post aqui.

Para resolver o backfocus, descolei um pouco dois step-ups que faziam parte do tubo da objetiva, dei um quarto de volta e voltei a colar.

Juntei os itens para rebobinar o filme gráfico nos papéis de filme 120 e fiz um filme teste.

A primeira imagem era algo que eu pensava em fazer no futuro, múltiplas exposições. A segunda imagem foi feita em ISO 8, não ficou OK, mas mostra os fungos crescendo na beira do filme. A terceira imagem, feita em ISO 2, serviu para aferir a velocidade desse filme.

Câmara Digna-Mamiya 6×6 • parte I

Em fevereiro comecei a falar dessas idéias nesse post aqui.

Comecei a desmontar a parte da frente da Dacora Digna para saber quais seriam as possibilidades de montar a objetiva. A objetiva em si já tinha um helicoidal e talvez precisasse apenas de remover o trilho que acopla com o rangefinder do corpo Mamiya.

Com o corpo da Digna sem objetiva comecei a brincar com a 65mm na sua frente enquanto um despolido improvisado ocupava o lugar do filme. Determinei que precisaria de uns 2 cm de espaçamento para que a coisa funcionasse.

Imaginei um parassol HN-3 da Nikon para um teste com cola quente, mas ele é mais comprido que 2cm. O HN-1 é curto demais. Na mesma caixa de acessório esbarrei nuns anéis de step up e setp down para filtros.

Juntei alguns até conseguir um espaçador de 22mm. O foco ficou longo. Fiz novamente com 17mm, ficou curto. Recombinei para chegar a algo entre 18mm e 19mm. A imagem parecia perfeita. Olhei com uma lupa e conclui que merecia um teste com filme.

Usei cola quente preta e um tanto de fita adesiva preta para segurar tudo no lugar durante o teste. Escolhi um Fuji Neopan Acros 100 solitário que eu tinha guardado. Mais um pedaço de fita e criei um flap sobre a janela vermelha do filme, só para ter certeza que não ia vazar muita luz ali (a câmara é de 1958 e filmes pancromáticos de alta sensibilidade não eram nada comuns).

Sai num sábado pela manhã, levei até tripé, mas não precisou, o Sol não me decepcionou. Fiz algumas imagens usando a hiperfocal, mas em outras escolhi aberturas e assuntos que poderiam me dar mais clareza de qualquer erro da montagem da objetiva.

Nesse momento foi que me dei conta que ainda não possuo um espiral para revelar filmes 120. Tinha umas coisas a estorvar aqui e coloquei nos classificados do Slack do meu trabalho.

Com os trocos fui a uma loja no Porto e consegui um espiral que me faltava. Na Casa China aqui ao lado eu encontrei uma tampa de silicone que se ajustou ao meu tanque. Com um potes de vidro fiz uns graduados para medir as químicas e pronto.

Fotografei os negativos em 50MP para poder observar os detalhes da imagem. Tem um problema de backfocus bem sutil. Não aparece muito nas imagens aqui porque o dia estava claro e o diafragma fechado. Vou ter que encontrar uma maneira ali na minha montagem de espaçar a objetiva do corpo mais um ou dois décimos de milímetro.

Repensando as pinholes

Tudo começou com a tal Super8 que eu consertei. Falei dela aqui no post do dia 23 de fevereiro de 2023. A sério? Sim! 23/02/2023.

Estava com um deadline do Festival de Avintes na cabeça, algo relacionado ao Dia Mundial da Fotografia Estenopéica. E comecei a pensar em câmaras para construir. Essa ideia deu origem a uma conversa, mas isso talvez vire algo mais um dia. Mas decidi não construir nada agora.

Há muitos anos que eu não fazia uma fotografia estenopéica, ou pelo menos eu pensava assim. Tinha esquecido a solargrafia do ano passado. Fui olhar a câmara que eu usei, não era o que eu queria.

Queria usar filme raio-x, porque o revelador estava pronto. Lembrei da câmara 13x18cm inspirada na do Bill Brandt.

Quando percebi já tinha preparado o furo, colado numa placa orfã para dessa minha point-and-shoot de 13x18cm. Num ímpeto, fui para a garagem. Tem esse scanner que eu peguei no lixo, estou tentando fazê-lo voltar a funcionar, a luz já acende quando ligo na eletricidade. Com a luz ligada, fiquei dançando com ele sobre minha mesa de trabalho, por uns 15 minutos.

Pronto, a chapa foi exposta.

Medi a temperatura da água, era 13,6C. Dobrei a quantidade de Rodinal, dobrei o tempo de revelação. Já está.

Fiz outras imagens além dessa, escolhi uma para mandar.

Passo tanto tempo sem considerar o pinhole, mas quando o faço, tudo vem tão fácil. É dessas coisas que vem de tanto tempo atrás, que ainda estão comigo e, com sorte, sempre estarão.

Uma Yashica Mat-124B a partir de duas

Esse par de Yashicas tinha uma série que problemas, mas vários deles não eram comuns às duas. Logo vi que uma tinha a lente ainda com coating, a outra fazia velocidades baixas intermitentemente e também conseguia fazer B, coisa que a outra nem sonhava. Muita ferrugem em ambas, o couro não estava completo, mas podia ser compartilhado.

Primeiro comecei a investigar as velocidades baixas intermitentes na Yashica que elegi como a melhor. Com um pouco de trabalho consegui limpar o mecanismo da velocidade baixa.

Nessa foto acima é fácil perceber que a objetiva em primeiro plano já perdeu o coating a reflete mais luz.

Essa Yashinon é um triplet. Normalmente Yashikor são as triplets e as Yashinons são quadruplets, mas no BR não funciona assim, para gerar confusão.

Por fim um detalhe da base de uma das Yashicas 124B mostrando o o Made in Brazil e o disco com A e F (Abre e Fecha) ao contrário de O e C (Open e Close).

Os três parafusos diferentes também entregam que essa câmara teve um passado com diversas visitas ao mecânico. Uma delas tinham um número 23 gravado em etiqueta rotex preso ao capuchão, coisa típica de câmaras usadas em grandes empresas de fotografia social, que vida que essa câmara levou.

Fazia muito tempo que eu não mexia numa câmara analógica para consertar ou modificar, foi uma delícia poder voltar a fazer isso. Teve uma camada de dificuldade extra, me adaptar aos óculos que eu comprei, para contornar a presbiopia, algo que não foi necessário no ano passado quando fucei numa Olympus XA. Essa XA ainda aguarda uma solução, é dessas que parou de ajustar a velocidade e dispara sempre a 1/500. Revisei todo o circuito e todas as conexões, deve ser o controlador. Mas isso fica para um outro dia.